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segunda-feira, 5 de abril de 2010

Não existe enochato. Existe chato, e ponto.

Não existe enochato. Existe chato, e ponto.
Ouço às vezes pessoas se queixando de outras que seriam os “enochatos”. Acho ruim esta designação, porque ela em geral supõe que uma pessoa que aprecia intensamente vinhos, estuda os vinhos, procura identificar suas características e qualidades, seria um chato. Seria o mesmo que dizer que alguém que ama cinema, que procura saber tudo so-bre esta arte, que assiste a filmes atento a cada detalhe de ilumina-ção, ritmo, atuação, que recorda cenas e falas inteiras, seria um chato, um “cinechato”!

Absurdo. O que faz uma pessoa chata não é ser fanática por vinhos ou cinema. O que faz uma pessoa chata é que ela é... chata por natureza! Não é capaz de medir as palavras e as ações, ou de adequá-las ao ambiente, às pessoas, ao momento que tem à sua volta. Não é capaz de respeitar outros interesses, não é capaz de perceber, e respeitar, o outro.

Muita gente sente, sim, cheiro de estrebaria ou de piche ou de violeta ou de banana num vinho. Aromas produzidos por moléculas que, queiram ou não os céticos, estão ali, sim –existem fisicamente. Se uns sentem mais, outros menos, não é defeito nem de uns, nem de outros. Mas eles existem, talvez detectados erradamente às vezes, mas não sempre.

Como reconhecer o chato, com ou sem copo na mão

Será mesmo que alguém é chato por sentir sabores balsâmicos num vinho, ou travo de taninos? Absolutamente não. E se ele estiver entre enófilos, numa degustação, e trocar estas impressões com outras pessoas igualmente interessadas no assunto, será um chato inconveniente? Mais uma vez, lógico que não.

Mas ele será certamente um chato se:

- Quiser monopolizar a conversa à mesa, numa refeição de família em que muitos estão tomando refrigerante, outros estão tomando vinho sem compromisso, outros são alcoólatras tentando se reabilitar e querem evitar o assunto --, mas todos terão que ouvir por horas a descrição detalhada de cada gole dado pelo chato.

- Durante uma festa, em que há interesses e conversas variadas, obrigar todo mundo a meter o nariz na taça dele para confirmar como realmente tudo o que ele está dizendo é verdade.

- No meio do jogo, quando o Robinho está prestes a fazer um gol de letra em sua reestreia pelo Santos, postar-se diante da TV para anunciar, como se fosse a cura do câncer, que ele descobriu um novo aroma que só se desenvolveu no copo agora, meia hora depois de aberta a garrafa.

E por aí vai. Mas veja bem: supondo que este mesmo chato seja proibido de falar de vinho; você acha que ele deixaria de ser inconveniente? Duvido. Ele deve ter algum outro assunto que ache interessante, nem que sejam as novas e excitantes promoções no escritório em que trabalha. E você acha que ele vai deixar alguém almoçar em paz, beber em paz, assistir ao futebol em paz, sem contar detalhes de como aquela assistente enganou aquele chefe (na cama, certamente) para conseguir um cargo que nem merecia etc. etc.??

Vejo que frequentemente, ao se referir a um amante do vinho como enochato, muita gente está se referindo ao fato dele dominar certa área do conhecimento (os vinhos) mais do que as outras pessoas, e que isso provoca desconforto. Como resultado, incentiva-se uma generalização perigosa: a ideia de que o conhecimento, a expertise, o aprofundamento em um tema seriam coisas de chato.

Em outras palavras, dissemina-se a cultura da ignorância: as pessoas não devem conhecer muito. Basta achar um vinho gostoso, um filme divertido, e chega. Nada de pensar, analisar, discutir.

Vamos com calma. O elogio da ignorância sim é uma chatice. E perigosa.

Achei interessante essa identificação, no Blog do Josimar que aprensenta o Programa O Guia, no National Geographic Channel.

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